sábado, 2 de março de 2013

Horror Brasileiro por A + B nas páginas d`O Globo

Respondi essa entrevista para o O GLOBO em novembro de 2011. Como não acompanho o jornal, não faço  a minima ideia se se saiu alguma matéria ou não, e como os jornais sempre resumem os depoimentos, segue aqui, a entrevista inteira, sem cortes, nem alterações.

Viatti Arrabbiatti, submundo do tráfico de linguiças:  o ator principal comeu as linguiças depois da filmagem.

Parceiro, sou repórter de O GLOBO. Meu nome é Rodrigo Fonseca e queria fazer uma entrevista contigo sobre uma nova geração de realizadores interessada em fazer filmes de horror. Queria saber um pouco sobre a sua relação como o gênero e como a sua produção de curtas e vídeos se relaciona com o horror. Ouvi um papo de que você vende seus filmes em DVD, para uma tribo setorizada interessada no filão terror. Procede?

Minhas questões:

Marcel Mars, Mojica & Gurcius Gewdner.
a)      Existe uma expressão brasileira para o cinema de horror para além do Mojica? Como são esses filmes? Como os seus filmes se exercitam pela cartilha do medo?

Uriney Dinngo

Existe. Mas é preciso reparar que esses filmes e realizadores tem uma expressão mais ampla do que o puro cinema de horror. Assim como o mojica também tem uma filmografia mais rica, surrealista  e lotada de gêneros do que simplesmente só horror. Se fosse apenas horror, seguindo o padrão tradicional, seria muito careta, muito quadradinho. O que esse povo vem tentando aqui no Brasil, felizmente vai mais além. 


Amexa, enfrentando o destino em Viatti Arrabbiatti.


Os filmes precisam ser mais livres, mais dementes. O que liga todos os nossos cinemas é a desconstrução das paixões, a desconstrução do gênero  Somos cineastas apaixonados pelo cinema de horror, mas não quero produzir filmes fechados dentro desta definição. Quero subverter o gênero  explicitar minha paixão debochando dele e misturando tudo que eu puder.  Sou um entusiasta e total batalhador pelo cinema com culhões feito no brasil, quero fazer meus filmes e estar presente nas produções de todos os caras que respeito nesse país. Quero ajudar eles a crescer, e mais do que ver a evolução de um gênero cinematográfico, acho que é preciso que exista a evolução de artistas distintos, cada um fazendo filmes do seu jeito e que coincidentemente, lá no inicio dividem essa paixão em comum por filmes de terror, sexploitations, gore e todas as subdivisões que permeiam esse universo. 


Marcel Mars, Mojica & Gurcius Gewdner.
Ulisses, de Ivan Cardoso, 2012.


Coffin Souza, Gurcius Gewdner & Petter Baiestorf.
Cada um criando o proprio mundo distorcido e se apoiando mutuamente.  Quando não estou envolvido em meus próprios projetos, é comum me ver participando dos projetos de 3 diretores, totalmente distintos: Petter Baiestorf, Fernando Rick e o Ivan Cardoso. Totalmente apaixonados pelo terror, mas com propostas totalmente diferentes, cada um com um mundo particular e nascidos em gerações diferentes. Mais realizadores com um jeito próprio de fazer cinema, de pensar o terror: Rodrigo Aragão, Felipe Guerra, Christian Caselli, Joel Caetano, Dennison Ramalho, André Kapel, Christian Verardi, Insekto, Rubens Mello e muitos outros (mas não tantos, infelizmente). Nenhuma dessas filmografias se parece entre si, e com poucas excessões, não existe muita aproximação das leis de incentivo, são filmes independentes, com grana do próprio bolso.



Metamorfoses Mongo-Gore em Mar Negro, de Rodrigo Aragão.



Pra falar de meus próprios exercicios de medo, vou falar de meu filme novo, que acabo de filmar e quero conseguir lançar agora em 2012: VIATTI ARRABBIATTI. É um tributo completo a tudo que mais gosto no cinema italiano, especialmente o terror, que na italia tem incontáveis divisões. Primeiro resolvi desenvolver meu proprio dialeto italiano, que os atores desenvolveram do jeito deles depois, o filme é todo falado em italiano. Comecei a filmar um Giallo, o que implica em assassinato de mulheres, o nome vem de Cani Arrabbiatti, do Mario Bava. Misturei com poliziesco, o que implica acrescentar gangsters, com métodos extremamente estúpidos e violentos. A partir daí fui jogando um pouco de tudo: Pamplon(os filmes de guerreiros épicos filmados nos pampas aquáticos Italo-catarinenses, iniciados com WAR, WARFARE, WAR ), o ciclo de canibais dos anos 70, os filmes pós-apocalipticos dos anos 80, e pra deixar tudo uma salada total misturei Pasolini dando um toque homo-onírico e com a liberdade de poder acrescentar Faunos e labirintos mágicos. Mais influencias fora da itália, vindas das pornochanchadas do brasileiro Fauzi Mansur(que também é um mestre do terror), dos números de dança do Russ Meyer, dos filmes Noir americanos, e de filmes em separado como Le Sans le Visage & Santa Sangre.



Cerveja Atômica, de Petter Baiestorf, 2003
Se fiz um filme de terror com tudo isso? Com certeza não. Mas é até a medula feito por alguém que ama com toda força este tipo de filme. A diversão está em pegar o genero como ponto de partida e ver até onde dá pra chegar, o quanto consigo me afastar da idéia original.   E fazer filmes de terror nem sempre é provocar medo, pra mim é mais como a sensação de um soco no estomago. Os melhores filmes não dão medo, eles incomodam, eles mudam o rumo do teu dia. É um riso incômodo que surge com mais força na total mistura de generos, no confronto de influências distintas. 
b)      Como você produz seus filmes e como eles circulam comercialmente? Você sempre usa a cartilha de filmes de gênero?

Produzo com a grana que consigo, geralmente do proprio bolso e com muito apoio mutuo. Se você quer fazer filmes de maneira independente precisa ter muitos amigos. Amigos que gostem e acreditem em você, e que principalmente não desistam de você na primeira vez que se sentirem em uma furada ao colaborar na produção do teu filme. O que tem boas chances de acontecer, já que fazer um filme dá um trabalho danado.

Exemplo: VIATTI ARRABBIATTI tem um elenco grande e eu não tenho carro, consegui dois amigos com carro pra levar o elenco, viraram produtores do filme, pagando com gasolina. São quatro meses de filmagem, um elenco de mais 40 pessoas, se colocar na ponta do lápis, não é pouca coisa. Faço filmes com patrocinio em gasolina. Pra fazer os filmes circularem, sigo a cartilha que aprendi na década de 90, com a troca de fitas cassete e VHS por correio. Lanço e distribuo os filmes eu mesmo,  faço a autoração, encho os filmes de extras, faixas de comentários e tudo mais que acho necessário e vendo principalmente pela internet. Sem um distribuidor, sem duvida não atinjo todas as pessoas que poderia, mas toda a grana que entra vai diretamente pro meu bolso. Também ajudo na distribuição de filmes de outros realizadores,e uma coisa é certa: quem se interessa por esse tipo de cinema no Brasil, obrigatoriamente vai descobrir a gente.  Somos quem mais está produzindo e queremos que os novos realizadores entendam que é facil produzir cinema autoral no Brasil, com um minimo de força de vontade e paixão. Não quero crescer sozinho, quero ver novos realizadores surgindo todos os dias.

Poster de "War, Warfare, War", videoclipe para os uruguaios do Rotten State.


Também insisto na questão de que o fato dos filmes serem baratos não significa que não sejam caprichados, inclusive na hora de serem lançados. Insisto na produção de DVD’s lotados de atrações pra alegrar os cinéfilos que querem mais do que apenas o filme. Sou o primeiro diretor do Brasil a lançar um DVD quadruplo: para o filme Mamilos em Chamas.  Isso não me trouxe lucro, mas lancei o filme do jeito que queria. Uso a cartilha dos filmes de genero pra atingir o limbo da falta de genero, do genero mutante, transmutado.

Outro exemplo: “Eu Sou um Pequeno Panda” de 2008. Meu ponto de partida era o Expressionismo Alemão. Queria fazer um filme preto e branco, com aqueles letreiros do cinema mudo. Consegui fazer ele mudo, mas a trilha sonora é toda de Harsh Noise e Penderecki, uma barulheira total. Desisti do preto e branco, conforme fui compondo o filme, que escrevi e desenhei durante a montagem, depois de filmar filhotes de gatos por meses. Quando terminei, vi que nem consegui reassistir os filmes que queria homenagear e o filme virou outra coisa.  Acho que essas separações por genero são utéis na hora de divulgarmos nosso trabalho, pra fazer as pessoas entenderem um minimo de nossas intenções, mas na hora de criar, a mente precisa estar livre e aberta a todo tipo de experimentalismo cinematográfico, a  toda mistura possivel de paixões.

Ao telefone, com cenários de Carlos Dias ao fundo, em cena-tensão de Viatti Arrabbiatti.

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